O Quadro AIDENTO POESIA trás semanalmente uma boa poesia para os leitores apreciar. Com uma poesia diferente toda semana, e o melhor, autores regionais.
--- Walter Medeiros
Neste mundo esculhambado
Em que temos de viver
Vou contar para você
Sobre um homem injustiçado;
Uma história de tremer
Que deu muito o que fazer
E condenou o estado.
O estado de Pernambuco
Cometeu danos morais
E também materiais,
Uma coisa de maluco;
Contra um jovem rapaz
Que era forte e sagaz
Mas virou um vuco-vuco.
Pois esses incríveis danos
Vêm de algo impertinente
Prenderam ilegalmente
Um homem só por engano;
Debaixo do sol poente
Essa prisão diferente
Durou dezenove anos.
Tal violação humana,
A maior que já se viu,
A justiça decidiu,
Mas ali não basta grana;
Pois tudo repercutiu
E uma vida ruiu
Porque o estado se engana.
Duas vezes por engano
Foi preso e encarcerado,
Nada ficando provado
No fórum pernambucano;
Do Cabo ele foi levado
E apareceu o culpado
Que estava se esquivando.
O mecânico e motorista
Era um homem bondoso,
Bom filho e bom esposo,
Não era mercantilista;
Mas tido por perigoso
Acabou todo seu gozo
Não pode mais ser passita.
Na Aníbal Bruno preso
E na Barreto Campelo
Não é o melhor modelo,
Sofreu o maior desprezo;
Nunca lhe tiveram zelo,
Foi tempo de desespero
Qualquer um ficava teso.
Não tinha banho de sol
E era violentado,
Sofria de todo lado
Querendo sair do rol;
Como todo injustiçado,
De capitão a soldado
Não davam nem Bezerol.
Alguém que nunca foi gênio
Tirou a sua visão
Em uma rebelião
Inda no outro milênio;
Na cela, sem compaixão,
Atacaram-lhe então
Com o gás lacrimogênio
O Marcos M. da Silva
Não recebeu garantias,
Ninguém no mundo ouvia
Sua constante assertiva;
Em sua cela todo dia
A história repetia
Mas lhe deixaram à deriva.
Acusado falsamente
Marcos viu desmoronar
Tudo que tinha em seu lar
Acabou bem de repente;
Não conseguia falar
Com os chefes do lugar
Mandavam sair da frente.
Contraiu tuberculose
Quando estava na prisão,
Também perdeu a visão
Me diga se não é dose;
Isso não é ficção,
É história de uma ação,
Com isso não há quem prose.
Naquela cela, tão só,
Quase que ele morreu,
Mas como sobreviveu
Lembra a história de Jó,
Com a fé que Deus lhe deu
Esse tempo ele venceu
Nunca vi cousa pior.
Se um ser humano erra,
Erra mais que julga errado
Deixando encarcerado
Inocente dessa terra;
E tem julgador malvado
Que julga precipitado
Nem olha se o réu berra.
Marcos perdeu liberdade,
Ficou na prisão sofrendo,
Treze anos padecendo
Essa é que é a verdade;
Um caso muito horrendo
Que só merece adendo
Da falta de caridade.
Claro que alguém falhou,
Cometeu grande imprudência,
Pois não houve paciência
Pra ver o que alegou;
Bradando sua inocência
Marcos não teve clemência,
Cada vez mais se afundou.
Foi o capitão Galindo,
Novo chefe da prisão
Que fez a reparação
E deu seu sofrer por findo;
Pelo menos desde então
Cumprindo a sua missão
Mandou que fosse seguindo.
No presídio nada havia,
No cartório também não,
Nada contra o cidadão
Documento algum dizia;
Na vara da execução,
Mais uma confirmação
Da própria secretaria.
O juiz da transferência
Diz que não lembra de nada;
Carreira imaculada,
Mas assinou a sentença;
Diz que não fez coisa errada,
Mas lascou o camarada
Ora tenha paciência!
No fim de todo esse horror,
Despido de vaidade,
Para buscar a verdade
Foi um desembargador;
Com toda dignidade,
Por nossa sociedade
Pediu perdão e falou.
Doutor Fernando é o nome
Do homem que levantou
Perto de Marcos chegou,
Viu que o sofrer não some;
A sua mão apertou,
O fórum todo chorou
Com o gesto daquele homem.
Marcos terá 2 milhões,
Decidiu o tribunal,
Uma quantia legal,
Mas não paga emoções;
Não corrige todo o mal,
Nem pune ação ilegal
Dos julgadores errões.
Diz um nobre advogado
Que o Marcos teve sorte;
Se fosse pena de morte,
Ela já estava enterrado;
Justiça precisa norte
E isso é uma prova forte,
Verdadeiro arrazoado.
Marcos vai ter o dinheiro,
Mas perdeu sua visão,
Sofreu mais do que Sansão,
Pois passou o tempo inteiro
Sem ter dinheiro na mão,
Tudo que ouvia era não
Do povo interesseiro.
E quem fez ele sofrer,
Será que irão pagar?
O estado vai deixar
Simplesmente esquecer
Quem achou de condenar
Sem as provas confirmar
A tamanho padecer?
Será que é desse jeito,
Condena e fica por isso?
Onde está o compromisso
Que algum dia foi feito,
De nunca ser submisso
Cumprir bem o seu ofício
Em favor do bom direito?
Aquelas “autoridades”
Que condenaram ao calvário
Pelo cárcere diário,
Dias de atrocidades,
Não vão virar réu primário
Têm vultoso salário
Nem gostam dessas verdades.
Não é um caso isolado,
Com certeza temos mais,
Vez por outra nos jornais
Surge alguém injustiçado;
E o Estado nada faz
Para garantir a paz
De um povo desencantado.
Agora a gente imagina
O homem perder a pista
Sem ter nada que assista,
Como foi a triste sina,
Nesse mundo de conquista
O que é perder a vista
Deixar de usar a retina.
Mas tem gente mais injusta,
Que inda culpa o réu
Como se fosse um Céu,
Pois não sabe quanto custa
Ficar tanto tempo ao léu
Cumprindo triste papel
Esse quer ser uma “busta”.
Marcos diz que procurou
Ajuda de muita gente,
Dizia ser inocente,
Mas ninguém acreditou;
Pois nunca é diferente
Pode ser incoerente
Ninguém nunca lhe ajudou.
Agora é tocar a vida
Como Deus lhe aprouver,
É isso que o povo quer,
Mas é grande a ferida;
Precisa de muita fé
Prá continuar em pé
Mesmo já tendo guarida.
Que isso sirva de lição
Aos senhores da Justiça
Continuem nessa liça
Mas procurem a razão;
Sem moleza nem preguiça,
Pois quem erra só atiça
O mal em muita ação.
Termino emocionado,
Pois não é fácil saber
Que alguém teve de viver
Um tempo tão assombrado;
Um abraço prá você
Que conseguiu tudo ler
Pois é muito abençoado.
Até qualquer outro dia
Nas rimas do meu cordel
Rogando ao grande Céu
Uma bela fantasia
Para algum menestrel
Trazer histórias de mel
Repletas de alegria.